quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Em um dia habitual, sem qualquer vestígio de sombra, dona Hilda foi sepultada. O ar quente e seco, com gosto de cerrado, tornava nossas lágrimas vapor. Dona Hilda tinha nome de poeta e um coração cordial, que às vezes sorria, às vezes calava, sempre ao tom do sossego. Ela nos amava à sua maneira, sem grandes demonstrações. Guardava em seus olhos a cor opaca do passado. Muito antes de sua partida ela já não sentia o presente pulsar em suas veias. Resignada, preferia sentir o cotidiano em sua quietude morna, observando a passagem do tempo através das folhas que se espalhavam no quintal. Quando chegamos ao cemitério, o sol já se espreguiçava, preparando o repouso. Nós ouvimos as palavras de consolo em silêncio, ao tom dela. A oração do Pai-Nosso, seguida de um samba do Paulinho da Viola, foram as últimas oferendas antes do rito final. E assim, entre palmas e soluços, ela fincou suas raízes à terra, para onde retornaremos todos, inevitavelmente. A memória tem ritmo próprio, costura harmonia ao sabor do vento. Em meus lábios ressecados, ficará o gosto daquele sol, eterno e imóvel, como as fotografias em preto e branco na parede. E assim continuaremos desbravando as súplicas derramadas no caminho. Seguiremos saudosos, envolvidos na teia visceral que nos cobre os pés, ocupados com o suor, com a fome, com a cartela anticoncepcional, com o motor do carro. Logo logo estaremos alheios. Até que chegará um dia que novamente trará à boca o gosto salgado da morte. Os sentimentos serão estampa e a vida permanecerá esplêndida, posto que o seu grande mistério é uma poderosa fonte de liberdade.

In Memoriam Hilda Marçal da Costa (29/12/1924 - 01/09/2014)

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